Aprisionada em um castelo às margens do rio que leva à Camelot, ela não podia sequer olhar diretamente para fora, pela janela, precisava usar um espelho para ver o reflexo do mundo, enquanto tecia uma tapeçaria mágica a fim de cumprir sua sina. Mas eis que viu o reflexo de Sir Lancelot, grandioso cavaleiro, cruzando a ponte sobre o rio. Ela ouvira muitas vezes as histórias sobre ele, já o admirava sem nunca tê-lo visto, mas quando o reconheceu, foi amor à primeira vista. Apaixonada, ela jogou ao lado seu fardo-afazer e correu para a janela. Quando olhou para fora, de súbito o espelho se quebrou. A maldição se cumprira. Sentimentos dúbios lhe invadiram: a paixão fervia em seu coração e a culpa lhe arrepiava os pêlos; estava duplamente amaldiçoada, pelo amor e pelo destino.
Como não havia nada mais a fazer, correu escadaria abaixo e saiu pátio afora procurando ao longe o seu amor. Só podia ter tomado o caminho de Camelot. Olhou ao redor e viu um barco ancorado às margens do rio. Subiu à bordo, soltou as amarras e contemplou a liberdade e a morte. Nunca encontrou o seu amor, encontrou a morte... Quando o barco chegou à Camelot, dentre nobres e cavaleiros, quem a percebeu, morta, foi Lancelot, que disse: She has a lovely face, God in his mercy lend her grace, The Lady of Shalott.
J. W. Waterhouse (1849-1917) pintou A Dama de Shalott (1888) no barco, condenada, amaldiçoada pelo amor e pelo destino, contemplando a liberdade e a morte. Ela vislumbra o que está por vir e sabe que não será nada bom. Do impulso de seus impensados atos virá o preço a ser pago, a fatura da própria vida. Melancólico olhar. O barco em que entrou será seu caixão, já adornado com fúnebres velas e a tapeçaria que devia tecer, a história que devia construir.
Romântico, J. W. Waterhouse inspirou-se em Lord Tennyson para ilustrar o drama da vida em uma sociedade hipócrita, que vive a escrever a história alheia através de uma série de escolhas prontas. O caso da moça em questão, é aquele velho caso da mocinha que se apaixona e se entrega ao sujeito errado, àquele príncipe encantado, que será sua ruína. Ela não devia ficar olhando o mundo lá fora, em busca de aventura, mas tecer a tapeçaria de sua vida seguindo o que a família, os amigos e a sociedade esperam dela. A maldição das moças bem, das mulheres casadas e de todas vocês, mocinhas, que seguem a moral e os bons costumes. A maldição do amor e da paixão contra o destino e a sociedade. A maldição de construir a vida segundo o que os outros esperam de si. A maldição da Dama de Shalott.
Texto retirado daqui: Isso Compensa
Peças da minha coleção: Lady of Shalott:
brinco Kiss me Lancelot!
*
bracelete Dark Shalott